Foram dois séculos de dúvidas sobre o quadro renascentista que retrata Maria, José, o menino Jesus e João Batista, batizado de Madonna della Rosa, do pintor italiano Rafael Sanzio (1483-1520), mestre da escola de Florença. A obra que está no museu do Prado, na Espanha, foi pintada no fim da vida do autor, muito celebrado pela suavidade e precisão das suas pinceladas. No século 19, historiadores especializados em arte começaram a levantar suposições se a tela teve contribuição de outro artista. Alguns diziam que a figura de José não poderia ser de Rafael. Outros questionavam a autoria da rosa pintada na parte de baixo. Mas para os espanhóis, o quadro não teria segunda autoria. Finalmente, o enigma foi desvendado com ajuda da inteligência artificial em dezembro.
Especialistas das universidades de Nottingham, Bradford e Stanford usaram da tecnologia para uma análise profunda da obra. Descobriram que o rosto de José não foi pintado por Rafael, mas por outro artista, talvez, segundo eles, Giulio Romano ou Gianfrancesco Penni, alunos do mestre renascentista. Para chegar a essa conclusão, a ferramenta analisou minuciosamente 49 obras incontestadas de Rafael e aprendeu a reconhecer os matizes, os valores tonais, as pinceladas e paletas de cores do artista. É um aprendizado microscópico, capaz de entender os movimentos da mão do pintor.
A ferramenta tem 98% de precisão. “Quando você apresenta a imagem para o computador, o programa dá uma classificação binária concluindo se é ou não uma autêntica obra de Rafael”, diz o professor Hassan Ugail, diretor do Centro Visual de Computação e Sistemas Inteligentes, da Universidade de Bradford. Os pesquisadores utilizaram o sistema para avaliar outras obras de arte. Entre elas a polêmica Haddo Madonna, comprada como um Rafael verdadeiro pelo conde George Gordon, da Escócia, que foi o primeiro-ministro de 1852 a 1855. Mais tarde, desconfiaram que era de outro italiano, Innocenza da Imola (1494-1548). Em 2016, o historiador de arte Bendor Grosvenor atestou que se tratava de um Rafael mesmo, o que a inteligência artificial confirmou recentemente. “A ferramenta será muito útil para futuras investigações”, diz Christopher Brooke, pesquisador da Universidade de Notthingham. “Ela pode ser adaptada a qualquer outro artista.”